Nguimba Ngola, figura emergente da Literatura Angolana
“Desejo ver maior interacção entre escritores consagrados e jovens”
Apesar das inúmeras dificuldades que os escritores atravessam para ver o seu trabalho publicado, Nguimba Ngola considera que escrever “é uma necessidade, é liberdade”. E sustenta com a frase de Jean-Paul Sartre: “Escrever é uma ação de desnudamento”.
Pai de cinco filhos, vê em Deus a sua fonte de inspiração. A crítica literária não o incomoda, porque gosta de melhorar o seu trabalho, e reconhece que “temos ainda muito poucos críticos sérios e profissionais”.
“Quero ser poeta oh minha mãe/para continuar a amar a vida/porque o poeta oh minha mãe/é um ser divino pactuando com o Eterno/na criação do belo”.
Nguimbo Ngola in “Mátria”.
Por Conceição Culeca
IN - Conte-nos o teu percurso até te tornares um escritor e declamador de poesia?
NN – Tudo começou quando frequentava o ensino de base na Escola Grande, no Cazenga. Tornei-me um excelente aluno na disciplina de Língua Portuguesa, o que me levou, em conjunto com os meus colegas da 5ª classe, a participar do concurso inter-escolar do programa televisivo “Quem sabe sabe” da TPA, em 1989.
Depois disso tornei-me um ouvinte assíduo de programas de rádio. É na Rádio Ecclésia, no ano de 2002, no programa “Algures na Noite”, que começo a recitar os meus textos e de escritores consagrados. Em 2005 conheço o movimento poético Artes ao Vivo e frequento com regularidade os seus eventos no Celamar e Docas 8 na Ilha de Luanda.
Naquela altura cheguei a conhecer Lukeny Fortunato, Kardo Bestilo e Dilson de Sousa, jovens amantes da poesia e mentores do projectos Lev´Arte e me associei activamente ao grupo.
Numa das actividades da Brigada Jovem de Literatura de Angola, tive o primeiro contacto com os escritores John Bella, Kudijimbe, António Panguila, Kanguimbo Ananás e o jovem Carlos Pedro, que me incentivaram a continuar a escrever e a ler muito.
IN – É oriundo de uma família de escritores?
NN – Não propriamente. Um tio meu cantava em conjuntos musicais na tropa. Terei tido um antepassado com dons artísticos. Tenho um irmão que está a descobrir-se na música, o Desejo Playa, a minha irmã gosta de cantar. Cantou no coral da igreja e fez teatro por um tempo.
IN – Onde nasceu a sua paixão pela literatura?
NN - É na infância que começo a nutrir o gosto pela leitura e consequentemente pela literatura. Aprendi a ler cedo, na iniciação. Aos sete anos lia um catecismo católico em kimbundo e português para os colegas de catequese na Igreja Católica de Paredes (Kimbinga). Meu pai, Paulo Augusto, o Kivota, foi a grande influência no meu gosto pela leitura. Em 1987 a minha família refugia-se nesta cidade, Luanda, por motivos de guerra. Perdemos todos os nossos bens mas o meu pai preservou vários títulos literários, para o meu deleite. Fiquei triste ao perder o livro de Ernest Hemingway “O velho e o mar”, que ele me havia ofertado. Ele dizia-me constantemente, “minha riqueza são os livros” e esta frase colou bem fundo na minha cachimónia, nunca mais me desliguei dos livros.
IN – Em que ano escreveste o primeiro livro e qual é o título do mesmo?
NN- Não me lembro concretamente quando comecei. Mas, o livro de poesia “Mátria” foi lançado em Julho de 2009, numa edição da Arte Viva.
IN – Normalmente que género de livro escreves?
NN – Sinto-me bem em escrever seja poesia ou prosa. A prosa tem haver com a narrativa onde encontramos o romance, o conto, a crónica. A poesia é mais difícil para mim, apesar da aparente facilidade.
IN – Qual é a sua fonte de inspiração para escrever?
NN- É Deus quem me inspira à acção. Depois, a realidade do meu dia-a-dia e das nossas gentes me dá motivos para agir escrevendo. A mulher é também, muitas vezes, fonte de inspiração, bem como a natureza.
IN – Tens alguém que é visto como o seu ídolo no mundo da literatura?
NN – Não diria ídolo porque aí me acusariam de idolatria (risos), gosto muito do estilo de alguns escritores tal é o caso de José Luís Mendonça, gosto do estilo do Abreu Paxe e do António Azzevas, Carlos Pedro e Nuno Júdice, de Portugal. Em prosa gosto de ler Pepetela, Manuel Rui, Boaventura Cardoso e o kota Wanhenga Xitu, Óscar Ribas; gosto ainda de ler Clarice Lispector, José Saramago, olha estou a divertir-me bastante ao ler o seu livro Caim, e tantos outros bons escritores.
IN – Ser escritor fazia parte dos seus sonhos enquanto criança?
NN – Não. Eu gostava de ler. Lia muito, como disse, influenciado pelo Papá, mas não sonhava vir a escrever também. O bicho ainda não incomodava. Sonhava em ser Padre.
IN – Durante o tempo em que escreves e declamas, qual foi o momento que mais te marcou?
NN – Foi o lançamento do “Mátria”. Os momentos que antecederam o lançamento foram altos também, o encontro com o editor, o estimado Jomo Fortunato, e o seu interesse em publicar o livro, conhecer escritores consagrados cujos livros eu lia avidamente. Agora estou apresentando a rubrica “Sugestões de Leitura” no programa Tchilar da Tpa 2, o que faço com muito prazer e acho pertinente, porquanto visa resgatar os hábitos de leitura na juventude. Considero-o também um momento alto, sem esquecer o grande evento de poesia organizado pelo Lev´Arte, no Hotel Trópico, onde assinei muitos livros.
IN – Ser escritor é difícil?
NN - Ser escritor em Angola é difícil. Acredito que em alguns países também se enfrente o mesmo problema, amando apenas a escrita.
Contam-se os escritores que vendem o suficiente para viver da escrita e, por isso, a maioria, para não dizer todos, fazem ou têm outros trabalhos. Mas ainda assim vale insistir nessa arte que alguns desprezam porque, como disse, escrever é para mim uma necessidade, é liberdade. Escrever é uma ação de desnudamento, disse uma vez Sartre. Por isso mesmo vou continuar a escrever, apesar das dificuldades.
IN – Qual foi a dificuldade que enfrentaste para lançar o teu livro?
NN – Devo dizer que tive um pouco mais de sorte em relação a muitos outros escritores jovens que lançam por sua conta, com muito esforço. O meu editor via-me nas tertúlias e gostou de um poema e sentiu-se motivado a publicar-me depois de ver o trabalho todo. Eu tinha já um patrocínio financeiro, e a editora entrou com o restante valor dos custos de publicação.
IN – Existe algum projecto em curso, para uma nova obra?
NN – Existe sim. Estou a trabalhar num livro há cerca de 4 anos, mas “baralhei-me” com um personagem e encostei o trabalho por ora. Tenho um trabalho já acabado. Sou insatisfeito e estou sempre a rever, e algumas pessoas experientes vão emitindo pareceres. Não devo me apressar porque diz-se que a pressa é inimiga da perfeição, então vou com calma. Vamos deixar as pessoas consumirem o “Mátria”.
IN – Como homem de letras, qual é o seu maior desejo?
NN – Desejo muito ver a nossa geração a abraçar os bons hábitos de leitura. Desejo ver a nossa geração a superar gerações passadas na qualidade das obras. Desejo ver mais valorizada a literatura angolana. Desejo ver a interacção dos escritores mais consagrados com os mais jovens, com aqueles a passarem a sua experiência de uma forma desinteressada. Desejo uma Angola culturalmente independente, conservadora dos seus mais sublimes valores.
IN – Qual é a sua opinião sobre o actual estado da literatura em Angola?
NN – Todo o interessado na nossa literatura vê que há muitos aspectos que apontam para um estado, diria, de crise. E aponto alguns factores que contribuem para essa crise, conforme o olhar de Isaquiel Corí, jornalista e escritor, com o qual concordo. É o caso dos concursos literários, que são uma das formas de incentivo à criação literária, estão reduzidos a menos de 3 prémios. A veiculação da literatura angolana nos mídias é deficiente para não dizer mesmo inexistente, tinha-se o Vida Cultural ou Vida e Cultura, suplemento no Jornal de Angola, sumiu. Há o aspecto das fracas tiragens das obras publicadas que vão de mil ou mil quinhentas. As poucas editoras também têm sua quota de responsabilidade. É preciso publicitar o livro e o autor. Sobretudo o livro. O sistema de ensino é fraco.
A escola devia ser um dos principais canais de veiculação das obras literárias, através de programas de leitura obrigatória. Há também a questão da crítica literária séria e profissional. Há um outro factor responsável pela crise da literatura angolana. O fraco activismo literário, exceptuando muito poucas e raríssimas excepções. Os eventos literário-culturais são raros e dificilmente são frequentados por figuras consagradas das letras.
A Universidade também tem a sua quota parte de responsabilidade. A literatura, em todo o mundo, é objecto de elevados estudos académicos. A literatura é imprescindível ao desenvolvimento humano de qualquer país.
IN - Considera-se escritor ou declamador de sucesso?
NN – Não me satisfaço com pouco, estou sempre procurando superar-me, estudar, ler, ler e ler. A língua é fundamental, tenho estado a estudar com afinco a língua e melhorar a qualidade dos meus escritos, logo, ainda não me considero escritor de sucesso. O sucesso virá a medida que eu for aprendendo mais e mais. Quanto a declamação, é uma outra arte, não me sinto um grande declamador mas estou crescendo.
IN – A crítica literária lhe incomoda?
NN – Não. Eu gosto da crítica mas nós temos ainda muitos poucos críticos sérios e profissionais. A crítica ajuda-nos a ver onde imprimir mais qualidade para que as nossas obras sejam bem conseguidas. Há um vázio nesse sentido. Estimo os poucos que vão tentando uma crítica responsável, tal o caso de Luís Kandjimbo, para citar apenas ele, outros os há certamente e vão tecendo opiniões nos prefácios das obras. Não escrevo pensando neles.
IN - Já escreveste algum livro para crianças?
NN – Não. Não é fácil escrever para crianças e admiro muito os escritores que o fazem. Quem sabe um dia e, porque até se tem escrito muito pouco para as nossas crianças.
IN – Encontramo-nos na febre de filmes e novelas de produção nacional. Tencionas um dia escrever uma ou outra coisa?
NN – Só o tempo dirá. Não é perspectiva de curto prazo. Quem sabe. Estou em desenvolvimento na literatura.
IN - Além de ser escritor, o que mais fazes?
NN –Em mim vive o Nguimba Ngola, que é escritor e poeta, e vive também o Isalino Augusto, que anda a estudar Gestão e trabalha como contabilista.
IN – Despido das vestes de escritor, como tem sido o seu dia-a-dia?
NN – Não consigo me despir das vestes de escritor. Tento sê-lo sempre. Estou sempre lendo alguma coisa, escrevendo alguma coisa. A outra metade em mim procura ficar ao lado da família.
IN – Entramos para a 3ª República. Faça um comentário.
NN – Queremos uma democracia forte. Apelar aos governantes que se empenhem nos seus afazeres pensando sempre no povo. Ainda deve soar as palavras “de ordem” (?) “o mais importante é resolver os problemas do povo”.
IN – Como vives os tempos livres?
NN – Nunca tenho tempo livre, estou sempre fazendo alguma coisa. Estar com a família, ir a praia e ler um bom livro.
IN - Onde passa as férias?
NN – Os poucos dias de férias que vou tirando passo-as aqui mesmo, em Luanda.
IN - Qual é a província que espera conhecer?
NN – Espero conhecer uma boa parte das províncias do nosso país, principalmente as do Sul.
IN – Qual é o estilo de música que mais gosta de ouvir?
NN – Gosto de jazz e blues, reggae, semba, gospel e kuduro.
IN - Qual é o programa de TV que mais gostas de ver?
NN – O Telejornal. Vejo também com prazer o National Geographic e os canais de filmes.
IN - Se tivesses oportunidade de mudar o mundo, o que farias?
NN –Traria o Paraíso aqui na terra.
IN - Vício?
NN – A Internet e apreciar mulheres bonitas.
Perfil
Nome completo: Isalino Nguimba da Cruz Augusto.
Filho de: Paulo Augusto e de Fátima Domingas da Cruz.
Data de Nascimento: 27/12/1976.
Estado Civil: Casado
Naturalidade: Dembos-Bengo.
Quantos irmãos tem: 9.
Filhos: Sou pai de 5 filhos. A Jaaziel Cassoni, Jael de Fátima, Elizabete Leonor, Joel Lino e o Jamiel da Paz.
Religião: Cristão Evangélico.
País de sonho: Angola. Aqui tem tudo que eu amo (o povo, a cultura, a gastronomia, etc) apesar da miséria social.
Desporto: Basketebol e Futebol.
Clube: Petro de Luanda e Benfica de Lisboa.
Cantor de eleição: Gosto de tantos… Hugo Masekela, Jonathan Butler, Paulo Flores, Bob Marley, Kleber Lucas.
Cor predilecta: Branco e azul.
Animal de estimação: O cão.
O que não gosta de ver nas pessoas: Arrogância, desonestidade, falta de amor ao próximo.
Se estivesse diante de Deus, qual seria o seu pedido: Sempre que estou diante de Deus eu lhe peço perdão e que me ensine sempre a amar o próximo.
Desejo da vida: Ser sempre feliz.
Sabe cozinhar: Não.
Comida que não dispensa quando está à mesa: Funge com qualquer acompanhante.
Bebida: Sumos, refrigerantes e água.
Qual é a marca do perfume que usas: Pacco Rabane, Black, Givenchy.
Virtude: Humildade.
Altura: 1,75 centímetro.
Nº do calçado: 43.
Devo revelar que …
Quando consumia álcool, lembro-me de ter adormecido com o rosto sobre o prato de comida, eu todo bêbado.
Um dia no programa Tchilar, o cinto da calça havia rebentado minutos antes de apresentar a rubrica, vi-me aflito pois a calça caía, tive de amarrar a calça com um lenço de bolso: bandeira.
Depois de um fim de semana cansado, a minha chefe apanha-me a cochilar e me confronta, eu repondi-lhe que não estava a dormir mas sim a orar.
Há no São Paulo um restaurante que frequentava com assiduidade, e comia o funge com os dedos. Os clientes estranhavam, olhavam-me chocados. Uma vez um mais velho gostou de ver a cena e pagou a minha conta. Animei-me.